Na assembleia ocorrida na última quinta-feira, dia 05/09, os estudantes de filosofia
decidiram entrar em greve por tempo indeterminado, até nossas demandas serem atendidas
pela reitoria da UFSC e pelo Ministério da Educação.
Mesmo após constantes mobilizações massivas perpassadas por meses, desde o
congelamento ilegal de 30% do orçamento discricionário da universidade (mais de 60
milhões de reais no caso da UFSC), nos defrontamos cada dia mais com uma universidade
completamente defasada e sem qualquer oportunidade de oferecer condições mínimas de
ensino, pesquisa, extensão e trabalho para os estudantes, técnicos administrativos, professores
e trabalhadores terceirizados nela atuantes.
Os ataques à educação pública brasileira não são isolados e não começaram agora.
Desde 2011 há defasagem no orçamento das universidades e institutos federais devido ao não
acompanhamento do crescimento da verba outorgada ao crescimento das matrículas. A partir
da aprovação da EC 95 (que instaurou teto de gastos para as áreas sociais como Saúde e
Educação) os cortes se tornaram ainda mais intensos, passando de 37,7 bilhões de reais em
2018 para 17,6 bilhões de reais no orçamento executado até Julho deste ano. Desse valor
ínfimo ainda nos foi contingenciado 30% dos gastos discricionários. Além disso, já está
anunciado o corte de 50% para o orçamento da CAPES em 2020.
A partir de 2016 somadas as renúncias fiscais e o FIES (programa de transferência de
dinheiro público para o capital privado), o investimento público no ensino superior privado
ultrapassa o investimento na universidade pública. Meros 7,6% do orçamento do FIES deste
ano já seriam o suficiente para cobrir o orçamento contingenciado. Fica evidente portanto,
que a crise orçamentária não é um fenômeno meramente técnico-econômico, mas uma
escolha política e um projeto de educação.
O efeito desses constantes cortes é sentido diretamente no cotidiano de todos os
estudantes. Os estudantes que recebem bolsa permanência, iniciação científica e de monitoria,
rendas que são na maioria das vezes essenciais para a permanência em uma capital com um
dos metros quadrados mais caros do Brasil, todo final de mês, desde julho, lidam com a
ansiedade de não saber se irão receber o valor que lhes é devido. Há cada vez menos vagas de
monitoria para as matérias obrigatórias, mesmo essa sendo uma ferramenta muito importante
para a formação filosófica. Neste semestre o mesmo monitor precisava assistenciar múltiplas
turmas, por falta de bolsas. Aqueles que cursam o programa de pós-graduação têm de
enfrentar a contagem regressiva para o término antecipado do pagamento de suas bolsas
desde o governo Temer.
No âmbito mais geral da universidade, os trabalhadores terceirizados, setor mais
vulnerável do corpo universitário, vem sendo demitidos aos montes desde o começo do ano.
Não só as famílias que contavam com essa renda se encontram desamparadas em um
mercado de trabalho com 13% de desemprego, como há na universidade a defasagem do
trabalho fundamental que era realizado por essas pessoas. Isso significa: falta de segurança no
campus, déficit na alimentação do RU, falta de zelo pelo espaço público, etc.. Além disso,
avulta-se cada vez mais o fechamento do Restaurante Universitário e o término precoce do
semestre letivo devido à falta de recursos para a manutenção da universidade.
É nesse cenário que o Governo Federal e o Ministério da Educação apresentam o
projeto Future-se, e laboram ardilosamente por sua implementação independentemente da
vontade da comunidade universitária e do povo. Temos clara ciência de que essa é a
culminação de um projeto privatizante, colonialista e tecnicista de universidade pública. É a
culminação de décadas de descaso com a pesquisa e a educação brasileira por parte do
Estado. Agora, mesmo com mais de 12 universidades públicas rejeitando oficialmente o
projeto do governo, se apegando ao que resta de público e nacional nas nossas universidades,
o governo ameaça aprová-lo de forma unilateral e despótica, por meio de uma Medida
Provisória.
Sua implementação, mesmo que parcial, significará o fim do curso de filosofia na
educação superior pública brasileira. É importante lembrar que o prelúdio aos cortes foi a
ameaça de eliminação dos cursos de filosofia e sociologia. Caso o departamento seja
realmente forçado a captar fundos por si mesmo, como prevê o Future-se, sabemos que ele
não será capaz de se manter pois o que estudamos não produz retorno imediato ao capital.
Apesar disso, a filosofia tem um papel importante a cumprir na sociedade, a própria reflexão
do que significa ser brasileiro. Como diria Hegel, um povo sem metafísica é um povo
desprovido de essência.
Reconhecer a importância de lutar com unhas e dentes contra esse projeto de
universidade é ao mesmo tempo reconhecer que, em primeiro lugar, devemos estar
empenhados na construção de um outro projeto, verdadeiramente voltado aos interesses da
classe trabalhadora, a parcela da população que financia e majoritariamente compõe a
universidade. Em segundo lugar, devemos adotar as táticas mais efetivas, que mais toquem a
causa desse grande problema pela raiz. A estratégia de combate que aparece à categoria
estudantil hoje é a greve, não localizada, e não apenas das universidades, mas a greve
nacional da educação, em todas as universidades, institutos e escolas públicas do país.
Apenas a paralisação do nosso local de trabalho, estudo e pesquisa nos disponibilizará o
tempo necessário para nossa luta. Ao mesmo tempo essa ação paralisa a geração de valor
ocorrida aqui, nas costas da exploração dos estudantes e trabalhadores da UFSC.
Tendo isso em vista, nossas reivindicações são: I) a total reversão dos cortes e
contingenciamentos nas bolsas do CNPQ e CAPES, bem como nas verbas discricionárias da
universidade ocorridas esse ano; II) a retração do projeto FUTURE-SE; III) a ampliação das
condições de assistência e permanência estudantil; IV) reajuste das bolsas da graduação e
pós-graduação; e V) fim do mecanismo de lista tríplice e respeito às consultas da comunidade
universitária para reitoria.
Temos certeza que nossas reivindicações são comuns com a categoria docente, que
sentem também na pele o descaso com a educação por parte do Estado brasileiro. Estamos
cientes que os professores ainda não realizaram as assembléias e votações necessárias em seu
sindicato para discutir esses ataques e aderir à greve, se colocando ao nosso lado na luta.
Apesar disso, não podemos aceitar que o departamento de filosofia se posicione de maneira
indiferente, como se estivéssemos em período de normalidade. Mesmo que o APUFSC ainda
não tenha adesão ao movimento grevista, sabemos que existem algumas medidas que os
professores aqui presentes podem tomar para apoiar a luta pela educação superior pública.
Necessitamos, para o nosso sucesso, um apoio que vá além do mero sentimentalismo de dizer
que os membros do colegiados se sensibilizam com a causa, mas a verdadeira solidariedade
concreta, com ações práticas.
Não há dúvida de nossa parte de que essas são ações imperiosas para a união
necessária das categorias da universidade tendo no horizonte a vitória contra esse projeto
privatizante da classe dominante.
Florianópolis, 13 de Setembro de 2019.